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domingo, 5 de agosto de 2012

POLÍTICA | De volta à política

ANELITO DE OLIVEIRA - De fora, a partir de um viés respeitável, mas inegavelmente ingênuo, as ações de Lula no processo eleitoral já em curso, sobretudo a aliança com Maluf, mostram-se deploráveis. Todavia, de dentro da política real, que tanto nos conturba, são ações altamente positivas no sentido de politizar a cena política no país que o próprio Lula, no afã compreensível de garantir a governabilidade dos seus governos, acabou por despolitizar. A aliança, que tanto tem indignado petistas e até malufistas entusiasmados, foi precedida pela substituição de Martha Suplicy por Fernando Haddad e sucedida por “insubordinações” do PT em Belo Horizonte, Recife e em cidades de porte médio de grande importância para o desenvolvimento nacional, como Montes Claros, onde o partido volta a disputar a prefeitura com candidato próprio depois de 16 anos. A atitude de Lula, comprovando uma vez mais a sapiência pragmática que lhe é peculiar, reverteu o foco do jogo político a que estávamos habituados desde 2002, quando o PT chegou ao poder: o específico, a cidade, passou a ter relevância maior do que o genérico, a federação, de tal forma que a aliança com Maluf, no caso, revelou-se viável porque o que importa mesmo é o PT reconquistar a prefeitura de São Paulo. Maluf tem uma imagem negativa junto à federação, nos estados brasileiros, que não corresponde exatamente àquela que tem junto aos paulistanos, gente, em grande parte, que não nasceu em São Paulo. Essa negatividade remonta à memorável disputa com Tancredo Neves em 1985. Maluf ficou no imaginário como a referência do mal na política brasileira, comprovada e ampliada por denúncias consistentes de corrupção contra ele e os seus, com prisões espetaculares. Para o paulistano em geral, desprovido de fundamentos ideológicos, Maluf é o empreendedor, o fazedor de grandes obras estruturais, o transformador de favelas em conjuntos habitacionais organizados, o sinônimo de Cingapura. Maluf é referência, para uma parcela enorme do eleitorado paulistano, de atitude prática, que melhora a cidade de São Paulo, que é o que interessa para quem vive numa megalópole e, claro, não pode ter uma percepção meramente romântica das coisas. Ao se aliar a Maluf, Lula revelou, quer queiramos ou não, a mesma astúcia que levou, manteve e mantém o PT à frente do governo federal: a maioria do eleitorado, aquela que elege candidatos, não está interessada em questões ideológicas, mas em ações práticas, naquilo que, de fato, melhora a vida nos subúrbios, nas favelas, nas áreas populares da cidade, em matéria de emprego, saúde, transporte, segurança e moradia. O sentido maior dessa aliança, que lideranças do PT acabaram por perceber por toda parte, é que a política real é localizada, movida por interesses locais de pessoas situadas numa determinada cidade, com seus problemas cotidianos. É uma política investida da concretude que marca as relações objetivas dos cidadãos com sua cidade, não as relações subjetivas com a federação, por exemplo, com aquilo que as pessoas comuns, feliz ou infelizmente, nem sabem o que é. O que pessoas comuns de Belo Horizonte, Recife e Montes Claros, por exemplo, têm a ver com São Paulo quando se trata da vida cotidiana? Nada. Logo, o PT belorizontino, o recifense e o montesclarense perceberam que poderiam lidar com as eleições municipais de um modo diferente, autônomo, lançando seus próprios candidatos, mesmo atritando com o aliado federal PSB. O PT está voltando a fazer política. Mais um mérito de Lula. Texto publicado no jornal O Tempo, Belo Horizonte, 04 de agosto de 2012.

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