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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

DEBATE | Anelito de Oliveira

Apropriações de Drummond


O que está acontecendo com a cultura brasileira hoje? Por que tanta recorrência a Drummond? Claro, está fora de questão, como sempre esteve para mim, a importância da obra de Drummond na poesia moderna em geral. Mas durante muito tempo - dos anos 60 aos 90 -, Drummond era mais uma fotografia na parede das elites culturais brasileiras do que um poeta para se ler e se cultuar. Aliás, era mais uma personalidade poética, uma imagem romantizada de poeta, que uma obra. Se não fosse a atividade de cronista, Drummond sequer tinha ficado na mídia durante a longa noite ditatorial, período em que escreveu, inclusive, muita poesia de péssima qualidade, como os versos de circunstância em homenagem a figuras econômica e politicamente importantes.
Hoje, há uma tendência a um culto incondicional a Drummond, acrítico, que parece ter a ver com a eterna consciência culpada das elites brasileiras. Parece que a proposta é perceber um Drummond-porto-seguro, altamente positivo, que, se existe, nunca foi nem será o mais interessante. O que interessa é o Drummond instável, que não encontra explicação para nada, que está sempre à beira do suicídio, o Drummond-José que se reconhece confrontado com as estruturas sociais de um país velho demais, colonial demais, casagrande demais, mineiro demais. O que interessa - e parece que não é o que está interessando nas apropriações conservadoras, acadêmicas, indébitas, de Drummond - é o Drummond que escreveu: "o ódio é o melhor de mim". 
Que Caetano, Chico e Fernanda, que não ignoram o fundamento agonístico da experiência poética, contribuam para mostrar a todo um povo boçal - deseducado pela Globo, pelos Cadernos Culturais e por medíocres professores de literatura - quem é realmente o poeta Drummond que tanto respeitamos.


NOTA: Comentário escrito no Facebook em face de notícia sobre leitura - ver no Youtube - que Caetano Veloso, Chico Buarque e Fernanda Montenegro fazem de poemas de Carlos Drummond de Andrade. www.facebook/anelitodeolivei

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